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LEFFEST: mais do que um festival de cinema
DR - filmes The French Dispatch e The Power of the Dog (cortesia LEFFEST)

LEFFEST: mais do que um festival de cinema

Começa hoje a 15ª edição deste evento. Estivemos à conversa com Paulo Branco, produtor que assume a sua condição de diretor do evento.

Começa hoje o festival de cinema Lisbon & Sintra Film Festival, mais conhecido como LEFFEST. A edição, a 15ª, decorre ao longo de 11 dias em várias salas de Lisboa (sobretudo no Tivoli e no Nimas), Sintra (Centro Cultural Olga Cadaval) e Matosinhos (Cinemas NOS Norteshopping).

O radar do festival está bem ligado, a captar as tendências atuais do cinema, cobrindo áreas geográficas diferentes do globo, e. sempre que possível, a focar-se nalgumas filmografias, como o caso da retrospetiva de Ryûsuke Hamaguchi.

Há outros cineastas em destaque, como o caso da neo-zelandesa Jane Campion, cuja nova obra, o western "The Power of the Dog", é incluída na retrospetiva total da cineasta austral e será uma antestreia em Portugal.

Mas o LEFFEST é muito mais que um festival de cinema. Este ano tem uma temática central, a cultura rom ou (se preferirem) a cultura cigana, cuja homenagem será sentida não só na grande tela (com filmes de Tony Gatlif, Emir Kusturica, Charles Chaplin ou Radu Jude, entre outros), como no palco, através dos concertos de Emir Kusturica (omnipresente na edição deste ano), Taraf de Caliu ou na noite das atuações de Ricardo Ribeiro e de Mónika Lakatos, além do espetáculo do bailador de flamenco Juan Manuel Fernández Montoya, mais conhecido como "Farruquito". Há ainda vários debates sobre a cultura cigana e a perseguição histórica de que foram alvos.

 

Como se não bastasse, o festival terá a presença de convidados de renome como o escritor Nobel da Literatura J.M. Coetzee, parte da família de Charles Chaplin, o documentarista Mike Dibb, o encenador Romeo Castellucci, entre muitos, muitos outros.

Resistem algumas limitações sanitárias por causa da covid-19, como a obrigatoriedade do uso de máscara nos espaços das sessões e dos espetáculos ou, no caso do Tivoli, a impossibilidade de lotação máxima (têm que estar menos de mil pessoas no teatro).

Falámos com Paulo Branco, o histórico produtor nacional que há praticamente década e meia assume nesta altura a sua posição de diretor do LEFFEST.

Quais os pontos fortes da edição deste ano?
Este é o 15º Leffest. Os pontos fortes são a presença dos mais importantes realizadores que neste momento há do cinema moderno, como a Maria Speth, o [Ryûsuke] Hamaguchi e o Cristi Puiu, através das retrospetivas que fazemos. A grande retrospetiva da Jane Campion conta com a única projeção em sala do "The Power of the Dog". E [vai haver] a abertura com o filme de Wes Anderson [""Crónicas de França do Liberty, Kansas Evening Sun"] - que logo a seguir estreia nas salas em Portugal - com apresentação exclusiva por ele para o festival.   


O tema deste ano que atravessa todo o festival é a celebração da cultura cigana. Há um grande desconhecimento histórico sobre a proveniência e sobre tudo o que passaram os ciganos. Queremos fazer uma celebração com eles e há um conjunto de concertos e de espetáculos extraordinários. Posso destacar o Farruquito, um dos maiores bailadores de flamenco, o concerto do [Emir] Kusturica, que tem uma ligação muito particular à música e à cultura cigana, o concerto dos Taraf de Caliu [dia 13 no Teatro Tivoli], que é um grupo que trabalhou com o Johnny Depp e com o Tony Gatlif, e a Mónika Lakatos [dia 14 no Centro Cultural Olga Cadaval, antes de Ricardo Ribeiro], que é uma representante da cultura rom do leste e que ganhou os principais prémios das músicas do mundo. É uma maneira de se perceber a essência da cultura e de onde eles vêm. Haverá imensos debates sobre o que eles sofreram, do genocídio à grande tentativa de extermínio que houve no século XVIII em Espanha. Tudo isso vai estar presente durante os 11 dias em que o festival decorrer.    


Queria também chamar a atenção para a presença em peso da família Chaplin no festival. Há uma reivindicação extremamente forte das origens ciganas do Chaplin e que será tema de apresentações e de debates com a família Chaplin. É um dos pontos de interesse deste festival.

 

O que marca mais esta edição de 2021 face às anteriores em termos de diferença?
O desenvolvimento de um tema central, que normalmente não tem uma importância tão grande, ou o facto de termos conseguido todos os filmes de competição que queríamos. E o termos cá pessoas como o J.M. Coetzee, termos cá o Emir Kusturica durante os 11 dias do festival, termos cá a viagem relâmpago do Romeo Castellucci, um dos maiores encenadores de teatro, que se desloca de propósito para fazer uma masterclass connosco. Na continuação de outros festivais, há um desenvolvimento, com mais um dia, mais um espaço fantástico, que é o Tivoli. Este ano, salas maiores, como o Tivoli, permitem que o público desfrute de uma maneira muito mais intensa.

Há um grande leque de convidados, incluindo o Emir Kusturica. Tentou trazer também a Portugal a Jane Campion? 
Nós estamos em permanente contacto com ela, fizemos-lhe uma entrevista em Paris só para nós. Além de ter dificuldades como neo-zelandesa, com as fronteiras fechadas, ela está nos Estados Unidos a promover o filme para os Óscares. O [seu mais recente filme] "The Power of the Dog". Era absolutamente impossível estar entre nós. Infelizmente, ainda estamos limitados em termos de mobilidade, por causa do covid. Mesmo nos Estados Unidos, as coisas não são simples. Por exemplo, ainda não há a certeza do [Ryûsuke] Hamaguchi estar entre nós, por causa de questões de quarentena no Japão. Mas estará diretamente connosco em todo o festival. Haverá com ele um live permanente. 

 

Hoje há uma presença de mulheres realizadoras que não havia antes. E isso sente-se também na programação do Leffest. O futuro do cinema é no feminino?
Não, o futuro não se pode traçar por géneros. Eu produzi 48 cineastas femininas ao longo da minha carreira. Se alguém que se interessou pelo universo feminino, através das histórias que querem contar, fui eu. A programação do festival é o reflexo do que se passa na sociedade atual. Sempre dei uma enorme visibilidade às cineastas femininas. São mais que tudo grandes cineastas e é isso que me interessa. Nunca me senti limitado quando os meus projetos eram de cineastas femininas. Nunca. Em Portugal, desde a Teresa Villaverde à Cláudia Tomaz ou a Raquel Freire, entre muitas outras que produzi, juntado todas as cineastas internacionais com quem trabalhei, nunca na minha vida senti qualquer obstáculo em relação a isso. Por vezes, há algum populismo sobretudo na arte, quando se fala da presença ou não de artistas masculinos ou femininos.  

O Paulo Branco é muito importante no cinema português de autor. Lamenta não haver um filme português em competição neste festival?
Não posso ter. Não posso meter filmes que eu produzo em competição. Tenho uma responsabilidade na escolha dos filmes da programação do festival, e por isso não posso incluir filmes na competição em que eu esteja implicado. 

Incluo nesta questão mais os filmes portugueses que tenham outro produtor que não o Paulo Branco. 
Os filmes em competição são aqueles em que o comité de seleção viu de importante, não só através de outros festivais, mas também através de propostas que nos foram feitas durante um ano. Este ano, em presenças internacionais, não houve muita coisa. De cineastas portugueses, não tinha hipótese de ter algum filme em competição este ano.  

O festival Leffest é um bom medidor para futuras exibições no circuito comercial?
Eu acho que sim. Tenho que agradecer a abertura que há da parte dos distribuidores nacionais que põem sempre à disposição os filmes em exibição que têm nos próximos meses. Penso que é um teste para eles. Vamos ter o filme do Pedro Almodóvar ["Mães Paralelas", no Teatro Tivoli, no dia 18], que estreia pouco tempo depois. Todos os distribuidores colaboram connosco e por isso é que a secção de antestreias está impressionante.  

 

O que é que aprendeu mais na organização deste festival, agora que chega às 15 edições?
Quando fui convidado para fazer a primeira edição, nunca pensei que chegássemos às 15. O meu trabalho não é o de ser um diretor de festival. O prazer que me deu a organização dos festivais, as pessoas que conheci através do festival, as obras que redescobri ou descobri, não só de cineastas, como de artistas, de músicos, de pintores. O relacionamento pessoal que tivemos com eles e a oportunidade de os partilhar com o público português é algo que tem justificado que o festival continue. Sobretudo, a vontade de alguns artistas em voltarem, como o caso este ano do Coetzee ou do Kusturica. Para mim, é uma maneira de descobrir certas obras de cineastas que o festival me tem obrigado a conhecer e ver a sua importância no panorama atual. E tem sido diverso, desde um grande matemático a um artista plástico como o Matthew Barney ou o Douglas Gordon. São artistas que à partida não fariam parte do meu universo de interesses e que foram de uma fruição fantástica na descoberta, na partilha e na apresentação. Isto já para não falar de grandes cineastas como o David Lynch, o David Cronenberg, o [Bernardo] Bertolucci ou o [Pedro] Almodóvar. Sobretudo o prazer de partilhar. 

Todas as informações sobre o festival, pode consultá-las neste link, do site oficial do LEFFEST.

Gonçalo Palma