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Luís Varatojo e a Luta Livre: "há hoje menos liberdade"
Rita Carmo (cortesia da promoção do artista)

Luís Varatojo e a Luta Livre: "há hoje menos liberdade"

Sai nesta sexta-feira o segundo álbum do projeto, "Defesa Pessoal".

Dois anos depois de "Técnicas de Combate", Luís Varatojo volta à Luta Livre e ao tapete para golpear monstros e aplicar a sua "Defesa Pessoal", o segundo álbum do projeto que é publicado nesta sexta-feira.

O músico camaleónico teve os seus anos de guerrilha punk nos Peste & Sida e as festanças ska nos Despe & Siga. Depois da Linha da Frente, Luís Varatojo aventurou-se na guitarra portuguesa para reenquadrar a música tradicional portuguesa num outro plano, através do coletivo A Naifa.

Depois dos Fandango, Luís Varatojo tem estado envolvido na Luta Livre, projeto individual de intervenção politico-social, com vontade de descer ruas e avenidas com protestos multitemáticos. As faixas e as mensagens estão nas canções. 

Luís Varatojo gravou no seu estúdio pessoal do bairro de Alvalade "Técnicas de Combate". Arquitetou as bases, engendrou as letras, e desdobrou-se entre o baixo, a sua velha guitarra elétrica e a programação da bateria e da percussão. Mas esteve longe de ter estado sozinho, com apoios adicionais de outros músicos nos coros, nas guitarras acústicas, na percussão e até no acordeão. 

Foi mesmo no estúdio caseiro de Varatojo que se fez esta entrevista, sobre "Defesa Pessoal".

O teu projeto chama-se Luta Livre. Mas poderia chamar-se Jornal Livre, com caricaturas, espirito de opinião e sarcasmo, e até com maior liberdade do que um meio de comunicação convencional. Concordas?
É evidente que faço a minha música com total liberdade. Nunca tive que dar satisfações a ninguém, mesmo nos tempos dos Peste & Sida, quando tínhamos uma editora como a Polygram, ou nos Despe & Siga, com a BMG e a Sony. Sempre tivemos independência total. Íamos para estúdio, escrevíamos e gravávamos e a editora depois escolhia o single. Estou habituado a trabalhar dessa forma completamente independente, nunca tive limitações para escrever, muito menos agora. A edição é minha. São discos de autor. A responsabilidade de tudo o que está a acontecer é minha. Não vou pôr um selo na boca e tapá-la e vou sempre escrever o que tenho a escrever sobre as coisas que acontecem no dia-a-dia que me impelem a escrever. A linguagem vou encontrando como vou descrevendo. Às vezes gosto mais de dizer as coisas nas entrelinhas com algum sentido de humor, algum sarcasmo. Há outros [temas] em que quero ser absolutamente explícito, radical e direto. Considero que tenho toda a liberdade para escrever aquilo que quero. Agora se sai para o público, já é outra questão que não depende de mim, depende de quem vincula a informação. Não tem corrido mal, as coisas têm saído. Mas tenho a consciência que com esta linguagem não sai em todo o lado. 

Deves esse lado mais documental, de trazer para as canções o que se passa na rua e no dia-a-dia, ao teu passado punk nos Peste & Sida?
Pode ter a ver com isso. A principal característica do punk é ser direto e dizer o que tens a dizer e a tocar sem paninhos quentes. É a célebre frase: faça você mesmo. Não dependes de ninguém e fazes as coisas como queres. Mas não vem só daí, vem também da minha educação, da forma como cresci e do que se foi passando à minha volta. Em Portugal, as coisas já foram mais diretas. Tínhamos acesso a informação menos controlada por certas ideias editoriais, sobretudo nos anos 80, quando havia as rádios piratas. Por exemplo, havia nos anos 80 jornais de música como o Se7e, o LP, o Blitz, o Êxito, suplementos no Correio da Manhã, no Diário de Notícias, no Público. Havia uma profusão de meios, com a iniciativa dos jornalistas que montavam esses órgãos. Agora está tudo muito mais difícil, está tudo muito mais controlado por grandes grupos de comunicação social. Nesse aspeto, há menos liberdade e eu ainda cresci com essa liberdade. Estou habituado a viver com esses factores e vou continuar. 
 
Dá-te prazer desmanchar a hipocrisia dos políticos e dos neoliberais?
Sinto necessidade de falar desses assuntos e de outros porque me tocam pessoalmente. O disco chama-se Defesa Pessoal, dez temas que são dez técnicas ou golpes de defesa pessoal. Há muita gente que tem os mesmos problemas que eu. Isto são dez armas para nos podermos defender daquilo com que somos bombardeados. 

O “Defesa Pessoal” parece um disco mais marcado pelo folclore e menos eletrónico do que o "Técnicas de Combate".
Este disco foi feito de forma diferente. Comecei a trabalhá-lo pegando no método do outro disco. Eu tinha ainda alguns samples de discos de jazz que tinham sobrado. Imediatamente fiquei a olhar para aquilo: “não, eu estou a fazer um disco exatamente igual ao outro. Por isso, eu não vou pegar nisto, não me está a dar gozo”. Então, eu peguei na guitarra. O disco tem montes de guitarras. Ao vivo, vai ser um duo de guitarras: eu e o Pedro. A Panela de Pressão tem montes de guitarras. Voltei à minha guitarra elétrica, a Telecaster. Isso também é defesa pessoal, peguei num instrumento que me é próximo e com quem tenho confiança. As primeiras coisas que foram saindo deram-me gozo, com aqueles riffs e sequências de acordes. Comecei a gostar do resultado e a partir daí comecei a construir o disco à volta da guitarra.
Eu não gosto de fazer sempre a mesma música. Para mim, toda a música de que gosto entra na cabeça e traduz-se em qualquer coisa que faço. Não tenho preconceitos se é música portuguesa, se é funk. Desde que chegue ao fim e para mim faça sentido e tenha coerência, uso-a. Há duas chulas no disco: 'Fruta da Época' e o 'Povo É Que Manda'. Eu tinha que ter qualquer coisa de música tradicional portuguesa, porque era assim que levava o barco a bom porto. Essa tendência começou com o 'Povo É Que Manda', que fiz durante a outra tour. A música foi feita com base em quadras do António Aleixo. Escrevi um refrão assente nessa ideia de chula. Quando comecei a escrever o resto do disco, essa ideia manteve-se presente. Saiu a 'Fruta da Época', 'Um T Zero no Barreiro', que tem umas guitarras, com frases de fado, mas com guitarra elétrica. São frases que apanhei quando andava a aprender a tocar guitarra portuguesa. E transpus para aqui facilmente. Ficaram-me muito bem, gostei bastante do resultado. Também tem um quê de música tradicional portuguesa.  

Vais fazer mais vídeos além do 'Panela de Pressão', presumo. O ideal será haver um vídeo por cada um das músicas do novo disco?
Na altura do "Técnicas de Combate", estávamos em confinamento e tive essa ideia de lançar um vídeo todos os meses. As pessoas iam conhecendo o trabalho através desses vídeos. Ainda editei uns quatro ou cinco antes de sair o disco. Agora continuo a trabalhar com a mesma equipa, que resultou muito bem. Eu uso os vídeos ao vivo. São duas animadoras muito diferentes que se complementam perfeitamente para aquilo que quero. Mas não sei se vou voltar a fazer tantos vídeos. Estamos a trabalhar num segundo [vídeo] para um segundo single. Esse trabalho continua a ser para divulgar o disco e para usar para os visuais dos concertos.  


 

Gonçalo Palma

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